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Uso de anticoncepcionais em meninas de 10 anos expõe dilemas de saúde e proteção

Por Maria Eduarda
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Diante do cenário atual, em que a adultização de crianças e adolescentes se tornou um tema preocupante e cada vez mais debatido, surge a questão: como fica a proteção da infância das meninas que enfrentam uma gravidez precoce?

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Embora os índices de gravidez na adolescência estejam em queda, a redução é lenta e a realidade ainda está visível aos nossos olhos. Em 2023, no Brasil, foram registrados 289.093 partos em meninas de 15 a 19 anos (11,39% do total) e 13.932 em meninas de 10 a 14 anos (0,55%), segundo o DataSUS.

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Nessa faixa etária mais precoce, os riscos são elevados, incluindo morte materna e neonatal, abortamento grave, hemorragias, anemia, eclâmpsia, depressão pós-parto, parto prematuro e malformações. É importante destacar que relações sexuais com menores de 14 anos configuram crime de estupro de vulnerável, assim como o casamento infantil ou qualquer prática sexual nessa idade.

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Esses impactos vão além da saúde física e mental, abrangendo a interrupção dos estudos, a dificuldade de inserção no mercado de trabalho, a maior dependência financeira da família e o risco de pobreza e exclusão social tanto para a mãe quanto para o filho.

O Portal R10 levanta essa discussão para dar voz às meninas que vivem essa realidade e para incluir o tema no debate público, lembrando que, segundo o ECA, é dever de todos assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem o direito à vida, saúde, alimentação, educação, dignidade, respeito e convivência familiar, além de protegê-los contra qualquer forma de violência ou negligência.

Gravidez aos 14 anos: Relato de quem viveu a realidade

Hoje com 37 anos e preferindo não se identificar, ela aceitou compartilhar conosco as dificuldades que enfrentou ao descobrir a gravidez aos 14. Em meio a uma realidade difícil e uma família disfuncional, relembra como precisou aprender do zero a cuidar de outra criança enquanto ainda tentava cuidar de si mesma.

Morando com a mãe e dividindo a casa com muitas pessoas, ela relembra como foi sua infância e adolescência. Sua mãe era dona de um bar, que também funcionava como ponto de encontros, com quartos alugados para casais. Diante dessa realidade, preferia passar mais tempo na rua do que em casa, onde as confusões eram frequentes. Iniciou seus relacionamentos muito cedo e, hoje, sua filha mais velha tem 22 anos. "Eu conheci um rapaz bem mais velho que eu, ele tinha 34 e eu tinha 14. Comecei a gostar muito dele e acabei engravidando. Minha mãe não gostava dele, mas, na minha teimosia, eu queria ficar com ele. Ela desejava outra vida para mim".

No entanto, ele faleceu três meses após a descoberta da gravidez. A responsabilidade ficou inteiramente para ela e sua mãe, já que a família paterna não a apoiou nem durante a gestação, nem após o nascimento da criança. Com medo de ser expulsa de casa ou agredida, ela demorou a contar para a mãe que estava grávida. "Minha mãe ficou ao meu lado, afinal eu era muito nova. Ela me levava às consultas e esteve sempre presente. Mas, quando eu tive minha filha, disse que a partir daquele momento eu precisava me virar para sustentá-la, enquanto ela cuidaria da minha filha para que eu pudesse trabalhar, porque eu já era mulher". 

Tomada pelo medo, ela não conseguia aceitar a gravidez e continuou saindo e frequentando festas até os nove meses, mesmo enfrentando uma gestação complicada. Enjoos e tonturas eram frequentes, e a má alimentação, junto ao consumo de bebidas alcoólicas, também fazia parte da sua rotina. Parou de estudar logo após os três meses de gestação e começou a trabalhar, mas os empregos não duravam muito: devido à gravidez difícil, ela conseguia trabalhar apenas quatro dias por semana. Por conta da sua idade, também enfrentou problemas durante o parto. Depois de ter sua filha, voltou a trabalhar, mas afirma que não quis mais retomar os estudos.

"Eu vivia trabalhando, fazia tudo por um trocado. Meu objetivo era ganhar dinheiro para não deixar faltar nada para minha filha, porque eu tinha essa responsabilidade. Depois arrumei um emprego que exigia que eu ficasse 15 dias fora de casa, então só voltava a cada quinze dias. Minha tia precisou cuidar da minha filha porque minha mãe era alcoólatra. Cheguei a ser denunciada pelo conselho tutelar, mas eu não tinha outra pessoa para deixar além da minha mãe", explicou. 

Por conta da sua idade e da falta de orientação, ela afirma que não chegou a utilizar nenhum método contraceptivo nem a se prevenir. Somente após a gravidez começou a se preocupar, mas relata que nenhum médico a orientou sobre o uso de métodos. Chegou a tomar injeção contraceptiva por pouco tempo, mas logo engravidou novamente. Aos 16 anos, perdeu a gestação, pois seu corpo não suportou. Hoje, acredita que, se houvesse diálogo ou se alguém tivesse conversado com ela sobre o assunto, poderia ter evitado engravidar precocemente.

Crianças e adolescentes podem utilizar métodos contraceptivos ? 

O Portal R10 buscou a endocrinologista pediatra Anenisia Andrade para esclarecer dúvidas frequentes de pais e responsáveis, diante de uma realidade preocupante: a gravidez precoce entre meninas e adolescentes, que continua sendo um desafio significativo para a saúde e proteção da infância.

Recentemente, o tema voltou a ganhar destaque após a Prefeitura de Fortaleza (CE) anunciar a distribuição gratuita de diferentes métodos contraceptivos, como preservativos internos e externos, anticoncepcionais injetáveis (mensal e trimestral), minipílula, pílula combinada, pílula do dia seguinte e o Dispositivo Intrauterino (DIU). No entanto, o que gerou maior polêmica foi a inclusão do implante subdérmico, conhecido como chip anticoncepcional, para adolescentes de 10 a 19 anos.

Segundo a gestão municipal, o objetivo era prevenir a gravidez precoce em regiões vulneráveis, justificando a faixa etária com base na nomenclatura da Organização Mundial da Saúde (OMS), que considera adolescentes pessoas entre 10 e 19 anos. No entanto, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), até os 12 anos incompletos a pessoa é considerada criança.

O anúncio gerou forte repercussão. A senadora Damares Alves (Republicanos-DF) declarou que pretende acionar o Ministério Público contra a medida, enquanto vereadores de Fortaleza apresentaram denúncias na Câmara Municipal. Após a polêmica, a prefeitura retirou a publicação de seu site oficial.

A visão da especialista

A endocrinologista Anenisia Andrade explicou que a Prefeitura de Fortaleza segue a classificação da OMS, que considera adolescentes pessoas entre 10 e 19 anos. No entanto, segundo o ECA, crianças são aquelas com até 12 anos incompletos, o que torna o debate sobre a oferta do implante subdérmico para meninas tão jovens ainda mais delicado. Ela ressalta que, embora a sociedade costume adotar a classificação do ECA, a Prefeitura não está tecnicamente equivocada ao seguir os critérios da OMS.

“O implante subdérmico é um método seguro. O que se percebe é que os métodos contraceptivos diários nem sempre têm efeito esperado. A criança ou o adolescente, ou mesmo uma criança com quadro de puberdade precoce, que já está apta a engravidar, muitas vezes não tem maturidade nem responsabilidade para usar esses métodos de forma adequada, e, muitas vezes, o contexto social também não contribui”.

Ela ressaltou que o Implanon pode durar até três anos após a inserção e que o objetivo não é aplicar em todos, mas em crianças e adolescentes de alto risco, em situações em que há possibilidade de gravidez ou de uma nova gestação precoce.

“Infelizmente, essa é a nossa realidade e a de outros países também. Mesmo em nações mais desenvolvidas, há áreas e situações em que crianças estão expostas a grande risco de abuso sexual. Muitas vezes, isso é reforçado por uma cultura que considera normal que crianças namorem cedo ou tenham relações sexuais. Trata-se, na verdade, de um abuso disfarçado”.

Para a médica, é fundamental compreender que o uso de métodos contraceptivos em casos específicos não significa incentivo à prática sexual precoce.Diante da situação ela relata a importância do uso de métodos contraceptivos em situações de risco, ou seja, quando crianças e adolescentes já estão expostas a cenários que aumentam a probabilidade de exploração ou abuso sexual.

“É importante que também façamos algo no sentido de proteger essas crianças. Nesses casos, quando um profissional indica qualquer método contraceptivo, ele não está incentivando a criança ou adolescente a praticar sexo; muito pelo contrário. O que orientamos é que não se envolvam sexualmente e que aguardem a vida adulta, mas cada situação é individual e depende do contexto familiar. Os métodos contraceptivos de longa duração acabam sendo muito mais eficazes. Estudos de outros países mostram que o DIU e os implantes contraceptivos são muito mais efetivos do que outros métodos”.

Anenisia relata que método contraceptivo é individualizado, pois os efeitos colaterais e a forma como cada pessoa reage aos hormônios dependem do organismo. Em alguns casos, a pílula oral pode ser a opção mais segura, pois, se houver algum problema, é possível interromper ou trocar o método. Atualmente, existem opções com doses mínimas e eficazes de estrogênio e progesterona.

“Se considerarmos crianças tão jovens, não temos estudos robustos que possam afirmar com certeza se há ou não problemas, porque isso exigiria observar crianças e adolescentes normais, incluindo aqueles que iniciaram a vida sexual muito cedo e já usam métodos contraceptivos precocemente. No entanto, até o momento, o uso de métodos contraceptivos em adolescentes, especialmente dentro dessa política pública de prevenção da gravidez precoce, não tem mostrado repercussões no desenvolvimento físico desses pacientes. Portanto, acredito que, ao avaliar riscos e benefícios, quando houver necessidade, sim, é uma opção a ser considerada”.

Ela recomenda que, sempre que possível, se espere ao menos dois ou três anos após a primeira menstruação (menarca) antes do uso de métodos hormonais de longa duração, pois é nesse período que o ganho de massa óssea e a estabilização hormonal estão mais consolidados.

Além disso, fez um alerta sobre a importância do acompanhamento médico em casos de puberdade precoce.

“No Brasil, existe tratamento gratuito para crianças que apresentam puberdade precoce. Nesses casos, são utilizados inibidores hormonais, que evitam o desenvolvimento precoce desses hormônios, responsável por mudanças físicas, comportamentais e pelo aumento do risco de sexualização e abuso dessas crianças. Os pais, ao perceberem sinais como o desenvolvimento das mamas nas meninas antes dos 8 anos, ou mesmo entre 8 e 10 anos, devem procurar imediatamente um médico. Com o início precoce do tratamento, a criança mantém as características infantis, sendo possível interrompê-lo mais cedo. A duração do tratamento depende do momento em que ele for iniciado”.

 

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