Portal R10
Notícias Blogs e Colunas Outros Links
Redação Whatsapp / Sugestôes (86) 99821-9621
Cristina Publicidade (86) 99911-2276
Marcelo Barradas Expansão (86) 99446-2372

35 anos do ECA: marco na proteção da infância enfrenta novos desafios no Brasil

Por Bruna Dias
|

No último domingo, 13 de julho, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completou 35 anos de existência. Criado pela Lei nº 8.069, de 1990, o ECA representou uma virada histórica na forma como o Brasil passou a enxergar seus cidadãos mais jovens, garantindo-lhes direitos fundamentais como vida, saúde, educação, lazer e convivência familiar e comunitária.

Siga-nos: Facebook | X | Instagram | Youtube

Inspirado na Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU, o Estatuto consolidou a noção de que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos e merecem proteção integral. Desde então, essa proteção passou a ser dever compartilhado entre a família, a sociedade e o Estado, um sistema de garantias que, mesmo diante de muitos avanços, ainda enfrenta grandes desafios.

Participe do nosso grupo: WhatsApp

Para marcar os 35 anos da legislação, o Portal R10 conversou com dois profissionais que atuam diretamente na ponta do sistema de garantias de direitos: lidam diariamente com crianças vítimas de abusos, negligência e, também, com adolescentes em conflito com a lei. São eles que veem, na prática, como o ECA ainda precisa sair do papel em muitas regiões do país.

Compartilhe esta notícia: WhatsApp | Facebook | X | Telegram

Apesar dos avanços obtidos, como a superação de uma lógica ultrapassada e excludente que antes tratava as infâncias de acordo com sua origem social, o Estatuto tem sido alvo de debates recorrentes sobre sua efetividade diante da complexidade da sociedade atual. Há quem defenda uma atualização da lei, sobretudo frente às novas formas de violação de direitos, muitas delas potencializadas pelo ambiente digital, pela pobreza estrutural e pelo enfraquecimento das redes de proteção.

Antes do ECA, a legislação brasileira tinha uma abordagem punitiva, assistencialista e discriminatória. Crianças de famílias pobres eram vistas como um “problema social” e, frequentemente, alvo de medidas repressivas. Já as de classes mais altas recebiam tratamento diferenciado, com acesso a estruturas de proteção e amparo. O Estatuto rompeu com essa lógica desigual e instituiu direitos universais, com base na dignidade e no princípio da igualdade.

Ainda assim, a aplicação plena da lei esbarra na ausência de políticas públicas estruturadas, na falta de investimento em conselhos tutelares, na sobrecarga dos sistemas de justiça e assistência social, e na resistência de parte da sociedade em reconhecer a infância como prioridade absoluta.

Defensoria Pública: presença essencial no sistema de proteção

A Defensoria Pública tem papel fundamental na efetivação desses direitos. Segundo a defensora pública Débora Cunha Vieira Cardoso, da 9ª Defensoria Pública de Parnaíba, a instituição tem ampliado sua atuação ao longo das últimas décadas.

“Hoje, é uma das instituições com maior alcance dentro do Sistema de Garantia de Direitos. Atua tanto judicial quanto extrajudicialmente para garantir direitos básicos como educação, saúde, moradia e convivência familiar”, afirma em entrevista ao Portal R10.

A defensora destaca que a escuta especializada de crianças vítimas de violência ganhou reforço com decisão recente do STJ, que reconheceu a legitimidade da intimação da Defensoria Pública para esses procedimentos, fortalecendo a presença da instituição nos espaços de acolhimento e apuração.

Desafios persistem: estrutura, cultura e consciência social

Apesar dos avanços, Débora afirma que o ECA, por si só, não é suficiente para garantir a proteção da infância:

“Nenhuma lei é suficiente sem uma mudança cultural. Ainda vivemos resquícios da ideia de ‘criança-objeto’. Precisamos de uma revolução cultural, políticas públicas efetivas e uma sociedade que reivindique a proteção dessas crianças, inclusive diante da própria família, onde ocorrem a maioria das violências”.

Ela destaca ainda que o principal gargalo do sistema está na falta de estrutura dos serviços que atuam na linha de frente:

“É urgente equipar os Conselhos Tutelares, CRAS, CREAS, UBS e criar mais CAPS Infantojuvenis. Sem suporte adequado, fica difícil garantir acesso pleno a direitos”.

Demandas frequentes e atuação estratégica

Entre as demandas mais comuns que chegam à Defensoria estão ações de adoção, destituição do poder familiar, pedidos de saúde, guarda, vagas escolares e defesa de adolescentes em conflito com a lei. A defensora também destaca o trabalho da Defensoria Itinerante, que leva atendimento a comunidades afastadas.

Além da atuação judicial, a instituição tem exercido importante papel na educação em direitos, especialmente em tempos de novos riscos no ambiente digital.

“O número de casos de violência online tem crescido. Atuamos com palestras em escolas, alertando alunos, pais e educadores sobre crimes digitais como cyberbullying, pornografia de vingança, ‘deepfake’ e stalking”, explica Débora.

Delegacia de Proteção: investigação, repressão e apoio

Na linha de frente da repressão aos crimes contra crianças e adolescentes, a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) também enfrenta um cenário desafiador. O delegado Hugo de Alcântara, adjunto da unidade em Teresina, explica que a polícia atua nos casos mais graves, especialmente crimes sexuais, maus-tratos, pornografia infantil e lesões corporais.

“O papel da Polícia Civil é investigativo e repressivo. A maioria das denúncias envolve abuso sexual, exposição vexatória e crimes praticados no ambiente virtual, que têm crescido com o uso precoce da internet”, alerta o delegado.

Ele destaca o aumento de casos de estupro de vulnerável, inclusive com adolescentes de 12 ou 13 anos engravidando, o que demanda investigação mesmo que haja consentimento da vítima, já que a lei estabelece idade mínima de 14 anos para relações sexuais com consentimento legal.

Prevenção ainda é o elo mais frágil

Para o delegado, o maior desafio está na prevenção da violência, especialmente diante da ausência parental e do uso desenfreado de tecnologias sem supervisão:

“O enfrentamento precisa da participação da família. Muitos pais estão ausentes, e crianças crescem sem orientação ou supervisão adequada. Isso aumenta a vulnerabilidade”.

Apesar do foco repressivo da polícia, ele cita iniciativas como o projeto “Papo com a PC”, que leva palestras preventivas às escolas.

Avanços e perspectivas

Tanto a Defensoria Pública quanto a Polícia Civil reconhecem que o ECA trouxe avanços inegáveis, como o reconhecimento de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e a criminalização de práticas antes naturalizadas, como castigos físicos, reforçados pela Lei da Palmada (13.010/2014).

Para que o ECA seja plenamente aplicado, no entanto, ambos apontam a necessidade de investimento contínuo, estrutura adequada e formação de profissionais, além de campanhas que estimulem a cultura do respeito e da proteção à infância.

“A legislação é moderna, mas não transforma sozinha. Precisamos de um pacto coletivo: família, Estado e sociedade atuando de forma integrada. Afinal, estamos falando do futuro do país”, conclui a defensora Débora Cunha.

Comente