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Quem cuida de quem ensina? O outro lado da inclusão escolar

Por Maria Eduarda
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A discussão sobre o novo Plano Nacional de Educação (PNE), atualmente em tramitação no Congresso Nacional e com previsão de aprovação até o fim deste ano, propõe diretrizes para os próximos dez anos da educação brasileira. O debate exige uma abordagem ampla, que envolva todos os atores do ambiente escolar, pais, professores, gestores e demais profissionais da educação.

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Portal R10 traz à tona essa pauta fundamental, ouvindo diferentes vozes que vivenciam na prática os desafios enfrentados no cotidiano das escolas. O objetivo é ampliar o diálogo e reforçar a importância da participação de toda a sociedade nas decisões que impactam diretamente a qualidade da educação no país.

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Em uma primeira reportagem, apresentamos o relato de uma mãe de duas crianças com autismo, que compartilhou as dificuldades para garantir uma inclusão efetiva no ensino regular. Entre o receio do bullying e a angústia de ver os filhos afastados de experiências sociais mais amplas, ela revelou o dilema enfrentado por muitas famílias: escolher entre o acolhimento das escolas especiais ou o esforço por uma convivência inclusiva e, ao mesmo tempo, desafiadora nas escolas regulares.

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Dando continuidade à temática, nesta nova reportagem ouvimos também os professores, profissionais que estão na linha de frente da educação, para compreender os obstáculos enfrentados em sala de aula e os desafios estruturais e pedagógicos que permeiam o processo de ensino inclusivo.

Lei Brasileira de Inclusão

Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146), sancionada em 6 de julho de 2015, tem como objetivo promover, em igualdade de condições, o pleno exercício dos direitos e das liberdades fundamentais das pessoas com deficiência, assegurando sua inclusão social e o exercício da cidadania. A educação é um dos principais pontos defendidos na lei, que garante assegurar um sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizados ao longo de toda a vida. Sendo assim dever do estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade promover educação de qualidade à pessoa com deficiência.

Tanto no projeto pedagógico quanto nos demais serviços oferecidos pela escola, são garantidas as adaptações necessárias para atender às particularidades dos alunos, incluindo crianças e adolescentes com transtorno do espectro autista (TEA). De acordo com a legislação brasileira, é obrigatória a matrícula e o atendimento adequado de pessoas com deficiência, incluindo o autismo, em instituições de ensino públicas e privadas, em todos os níveis. A recusa de matrícula por motivo de deficiência é considerada discriminatória e ilegal.

Embora a promoção de uma educação verdadeiramente inclusiva exija medidas concretas na formação docente, a implementação dessas ações ainda enfrenta muitos desafios. Embora os programas de formação inicial e continuada prevejam a incorporação de práticas pedagógicas inclusivas voltadas ao atendimento das diversas necessidades dos estudantes, na prática, essa integração é muitas vezes insuficiente ou inexistente. Do mesmo modo, a formação continuada voltada para o Atendimento Educacional Especializado (AEE), assim como a presença de professores e profissionais de apoio nas escolas, ainda é limitada e não atende de forma suficiente as necessidades dos alunos.

Em entrevista ao Portal R10, uma professora que atua em escolas de Teresina, que preferiu não se identificar, relatou as dificuldades enfrentadas no ambiente escolar. Atuando no ensino regular, ela afirmou ter em sua turma mais de cinco alunos com transtorno do espectro autista, além dos demais estudantes, o que torna o trabalho em sala de aula ainda mais desafiador. Segundo a docente, a formação continuada, prevista na Meta 4 do Plano Nacional de Educação (PNE) como direito dos profissionais da educação, não tem sido ofertada de maneira adequada, o que compromete a qualidade do atendimento educacional inclusivo. Na escola onde trabalha só são oferecidas palestras ao longo do ano, o que ela garante ser insuficiente.

"Os professores estão sendo colocados em sala de aula sem nenhum preparo, onde há vários tipos de crianças atípicas, e nós precisamos nos virar para conseguir lidar com elas. A maior dificuldade do professor é justamente a falta de capacitação, é a formação que não recebemos. Quando ingressamos na faculdade ou universidade, pagamos por uma disciplina voltada para trabalhar com essas crianças, mas percebemos que, a cada dia, aumenta o número de CIDs atribuídos a uma mesma criança, imagine isso em uma sala com vários alunos. E onde está o preparo para lidar com uma criança que hoje se comporta de uma forma e amanhã de outra totalmente diferente?”, destacou. 

Ela acrescenta que enfrenta dificuldades para adaptar seu planejamento pedagógico às diferentes necessidades da turma, já que as demandas em sala de aula são muitas e o tempo disponível é insuficiente para preparar estratégias específicas para cada aluno. Em tom de desabafo, a professora admite que, apesar dos esforços, não consegue realizar as adaptações necessárias para todos. "O que eu consigo fazer é oferecer um acompanhamento mais individualizado para aquela criança que está com mais dificuldade de se desenvolver. Existem vários tipos de crianças atípicas: algumas com mais dificuldade, outras com menos. Tem crianças, por exemplo, em que a maior dificuldade que eu enfrento é conseguir contê-las em sala de aula, por conta de comportamentos inadequados".

A professora destaca que não se sente plenamente preparada para planejar e aplicar estratégias pedagógicas eficazes voltadas aos alunos com Transtorno do Espectro Autista (TEA), mesmo tendo formação em educação especial. Segundo ela, cada criança apresenta particularidades únicas, especialmente no que diz respeito ao processo de aprendizagem, o que torna o trabalho em sala de aula ainda mais complicado sem o recurso que deveria ser oferecido pela escola. 

"Eu não me sinto preparada para está fazendo atividades adaptadas para essas crianças que tem TEA. Quando você insere essa criança em uma sala de aula, se percebe que existe diferença de uma criança para outra principalmente quando se fala em aprendizagem. A gente ainda consegue na hora de avaliar o aluno, aquela avaliação por escrito que toda escola precisa ter, o que a gente ainda consegue fazer é a adaptação desses recursos. A escola não oferece outro recurso, eles não te preparam para isso" informou. 

Na visão da professora, encontros mensais com profissionais capacitados, especialmente da área da saúde, como neuropsicopedagogos, neurologistas e acompanhantes que atuam diretamente com crianças com autismo, são essenciais para enfrentar os desafios da inclusão escolar. "Nós conseguiríamos trazer um pouco do trabalho desses profissionais para dentro da nossa sala de aula. Falta também apoio por parte da escola, como o acompanhamento dos psicopedagogos, que aparecem apenas no início do ano, informam quais crianças têm laudos, mas depois não acompanham o progresso dos alunos, nem orientam sobre o que fazer ou como melhorar nosso trabalho com eles. O professor, que deveria estar descansando no fim de semana, muitas vezes precisa usar esse tempo para ler artigos, estudar livros e buscar formas de ajudar aquela criança a conseguir, ao menos, algum desenvolvimento até o final do ano letivo".

Questionada sobre a presença de profissionais especializados para acompanhar, de forma contínua, alunos com autismo, ela respondeu que, apesar de existir esse suporte na escola, ele não ocorre como deveria. Segundo ela, o atendimento costuma se limitar a uma única observação inicial. O professor identifica as dificuldades do aluno e repassa ao profissional do AEE (Atendimento Educacional Especializado), que faz uma visita à sala de aula. A partir disso, o aluno é convidado a participar de atendimentos no turno oposto. No entanto, a docente destaca que esse processo não é contínuo e não garante o acompanhamento regular necessário.

"Esse trabalho não é contínuo. É um atendimento pontual, onde se observa o aluno uma vez, identificam-se suas dificuldades e as queixas do professor. Muitas vezes, esse acompanhamento não se estende até o final do ano, porque se acredita que a criança já está preparada. Basta encontrá-la uma vez por semana para considerar que ela está apta a retornar à sala de aula sem dificuldades. Mas a realidade é bem diferente. Os recursos que ela utiliza nesse atendimento especializado são distintos dos que usamos na sala de aula. Será que eu, professora, terei tempo para trabalhar da mesma forma que ela trabalha? Não terei. Por quê? Porque também não tenho a mesma capacitação, não sei exatamente como ela está conduzindo o trabalho com o aluno. Esse atendimento, às vezes, é acompanhado de uma breve troca de palavras com o professor. Muitas vezes, nem isso, apenas no início, para identificar a demanda e a principal dificuldade a ser trabalhada", ressaltou. 

Para a professora, o desenvolvimento social e pedagógico desses alunos depende de um conjunto de fatores. O apoio da família é fundamental para garantir um trabalho integrado, assim como o acompanhamento fora da sala de aula, realizado por profissionais especializados e, quando necessário, com o uso de medicações que contribuam para o bem-estar do estudante. "Eu preciso muito da ajuda da família, e se eu não tenho esse apoio familiar, então eu não tenho muito desenvolvimento daquela criança em sala de aula. Mas, se eu tenho o apoio da família, se eu tenho aquele acolhimento da família, pra gente trabalhar juntos, pra gente trabalhar em equipe, o desenvolvimento é totalmente diferente.  É mais difícil com aquela família que não se preocupa, que não aceita que a criança tenha atipicidade, que é uma criança atípica, que não faz por onde a criança se desenvolva. Essa mãe não aceita, mas quer que o filho esteja incluído na sala de aula, sendo que não depende só da escola, também depende da família". 

Escolas especiais: serão elas ainda essenciais para a educação inclusiva no Brasil?

As escolas especiais são instituições voltadas para atender estudantes com necessidades educacionais específicas, como crianças com autismo, em um ambiente mais estruturado e com profissionais especializados. Em casos em que o transtorno exige um suporte mais intensivo, não disponível na rede regular, essas escolas tornam-se uma alternativa importante para o desenvolvimento educacional e emocional do aluno. No entanto, a legislação brasileira e especialistas em educação defendem que a prioridade seja a inclusão em escolas regulares, desde que haja recursos e apoio adequados para garantir a participação efetiva e o aprendizado dos alunos com autismo.

Na visão dela, as escolas especiais, atuando em paralelo com as escolas regulares, exercem um papel fundamental, pois estão mais bem preparadas e contam com profissionais capacitados, que passam por formações contínuas. Além disso, representam uma alternativa importante para as famílias, especialmente quando a criança não consegue se desenvolver ou se adaptar ao ensino regular. Sob sua perspectiva, essas instituições devem ser mantidas e fortalecidas.

"Essas escolas, sim, estão preparadas para receber e atender essa demanda. São profissionais capacitados, que passam por formação contínua. Estão sempre fazendo cursos e atividades práticas, desenvolvidas especificamente para esse tipo de habilidade, para esse tipo de criança, para esse perfil de aluno. Já que a criança está inserida em um turno na escola regular, por que não frequentar uma escola especial no contraturno? É mais um suporte, e a criança vai se desenvolver muito mais. Não é questão de não querer essa inclusão, é questão de querer ter a preparação para poder trabalhar". 

Ela destacou que a educação especial e a educação inclusiva podem coexistir de forma complementar, desde que a inclusão seja feita de maneira efetiva, respeitando todos os princípios e contando com a estrutura adequada. Ela reforçou que não é contra a inclusão, mas defende uma abordagem que envolva preparação e qualificação de todos os envolvidos, para oferecer uma melhor estrutura aos alunos. Segundo ela, essa estrutura vai além do aspecto físico, abrangendo aulas bem planejadas e materiais adequados para atender às necessidades específicas dos estudantes, além do fundamental apoio dos pais.

Apesar dos avanços legais promovidos pela Lei Brasileira de Inclusão, a prática da educação inclusiva ainda enfrenta inúmeros desafios, sobretudo na formação adequada dos professores e no suporte contínuo aos alunos com necessidades especiais. A experiência da professora retrata a complexidade do dia a dia em salas de aula com estudantes do espectro autista e destaca a urgência de um trabalho integrado entre escola, família e profissionais especializados, pois na forma como essas crianças estão sendo inseridas em escolas regulares, tem gerado transtornos para pais, que esperam resultados no desenvolvimento dos seus filhos, e para os professores, que estão sobrecarregados com as multitarefas que precisam assumir em sala de aula, além de serem educadores. 

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